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Pedra do Porto

História e Património do Concelho da Nazaré

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Um postal, a Implantação da República Portuguesa e a família Anacoreta: tudo isto na Nazareth de 1910

Carlos Fidalgo, 16.11.21

Postal_Anachoreta_face (1).jpg

Chegou até nós este curioso postal com a data de 14-9-910, encimada pelo topónimo Nazareth, apresentando na frente do mesmo uma fotografia de três senhores muito bem compostos.

Não seria nada de especial, e muito provavelmente não estaríamos a redigir este pequeno texto, se no verso do mesmo não surgisse uma missiva muito interessante que poderá despertar a curiosidade dos descendentes desta família[1], mas também dos investigadores que se dedicam à questão da implantação da República.

Como é do conhecimento geral, a revolução contra o regime monárquico iniciou-se na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910 e viria a ser declarada na varanda da Câmara Municipal de Lisboa no dia 5 de Outubro do mesmo ano.

É precisamente nesta questão de datas que se releva o interesse deste postal que apresentamos, posto que as palavras assinadas por um tal “Raol” e dirigidas a uma senhora de nome Adélia Anachoreta, residente em Santarém, parecem transmitir que o assunto já seria do conhecimento de alguns, ainda antes do dia 5 desse mês de Outubro.

Escreve “Raol” à sua “adorada Adélia”,

[…] Nós hoje temos cá em casa uma grande festa por sêr o dia do baptisado da nossa republica; iluminações, discurssos, baile campestre e musica. Um encanto! Amanhã te escreverei carta descrevendo-te pormenorizadamente a nossa festa. Adeus. Mil saudades de envia o teu Raol.

Desde logo a palavra “baptisado” nos levantou a maior das curiosidades, posto que parece indicar o conhecimento do que iria acontecer dias depois, embora a data aposta junto à foto possa ser anterior ao envio do postal em causa.

Na verdade, o postal não apresenta qualquer indicação de selo/estampa a confirmar que circulou, mas teremos de colocar a possibilidade de o mesmo ter sido enviado dentro de um envelope.

Se assim foi qual a data do envio do postal?

Resta-nos, no âmbito desta questão das datas, perceber se existe alguma notícia de acontecimentos republicanos na Nazareth.

Júlio Murraças, historiador e investigador nazareno, faz referência a algumas notícias antes e após o 5 de Outubro de 1910, nomeadamente quanto ao Movimento Republicano por terras da Nazareth, notando que o processo já era antigo, mas que no dia 25 de Agosto de 1910 – data próxima e anterior à colocada no postal - «realizou-se […] no Salão Edison, com grande concorrência, uma sessão de propaganda eleitoral, promovida pelas comissões republicanas da Nazareth.»[2]

No dia 4 de Setembro de 1910, num processo eleitoral de deputados a lista republicana viria a ter o menor número de votos relativamente às duas restantes listas.[3]

Até ao dia 5 de Outubro nada mais parece acontecer na Nazaré que possa justificar esse tal batismo a que se refere o dito Raol.

Não nos esqueçamos, porém, que secularmente o baptismo acontece sempre após o nascimento. Tudo isto poderá indiciar que o acontecimento na Nazaré terá ocorrido após a Implantação da República como parece notar a notícia de que no dia 13 de Outubro de 1910 «depois de se ter conhecido que a República havia sido proclamada em Lisboa “as comissões republicanas da Nazareth, seguidas de grande multidão que aclamava delirantemente a República, se dirigiram aos Paços do Concelho e ali proclamaram solenemente a República, içando-se a bandeira republicana, propondo o cidadão Lino de Castro e Silva e o cidadão António Gomes Ascenso para o cargo de autoridade representante da República neste concelho, sendo aclamada pelo povo”.[4]

Talvez tenha sido sobre este acontecimento que “Raol” manda notícia à Sr.ª Dona Adélia Anachoreta e, se assim for, apenas podemos considerar que a data aposta na fotografia poderá ser diferente da data de envio do postal, remetendo esta última para um qualquer dia em que República já estaria implantada e os festejos políticos e públicos se anunciavam.

****

[1] Sobre os elementos colhidos por nós quanto à ascendência desta família, e apesar de já existir muita informação sobre a mesma nos locais dedicados ao estudo da genealogia, daremos conta num próximo artigo.

[2] MURRAÇAS, Júlio. Os Jornais da Nazaré e o seu tempo: 1899-1926, Edição de Autor, 2020, p.204.

[3] Ibidem.

[4] Id. 205.

* - Agradecemos ao nosso amigo Miguel Chaby a oportunidade de conhecer e estudar este postal que faz parte do seu espólio.

** Sobre a família Anachoreta, consulte o nosso artigo de Março de 2020: 

Francisco dos Santos Anachoreta, de Marvila (Santarém) - Pedra do Porto (sapo.pt) 

 

Francisco dos Santos Anachoreta, de Marvila (Santarém)

Carlos Fidalgo, 28.03.20

Quando decidimos abordar o tema dos ílhavos na vila da Pederneira, trabalho esse que se encontra redigido a aguardar por melhores dias para ser apresentado, já tínhamos a noção que outros locais terão sido importantes para a consolidação social e económica do actual concelho da Nazaré, alertando para o facto que se pretendemos conhecer quem somos, teremos de saber de onde viemos.

Na verdade, talvez como no resto do litoral, vieram de todos os lados, à procura de melhores condições de vida, em romaria à Senhora da Nazaré, a banhos para tentar curar as maleitas do corpo e mais razões existiram para a sua vinda.

Também é verdade que muitos partiram, continuaram a sua jornada, fazendo do território da vila da Pederneira, um ponto de passagem na busca de um qualquer "paraíso" que lhes concedesse as condições necessárias para se estabelecerem. Não terá sido este o desígnio da Humanidade desde a sua emergência?

Outros, porém, vinham de passagem, mas já não voltavam às suas terras, como foi o caso de Francisco dos Santos Anachoreta, que se tinha deslocado a esta praia para vir a banhos.

Aqui encontrou o fim da sua vida, tendo sido sepultado nesse cemitério da Pederneira, onde repousam os antepassados de todos eles, os antepassados de todos nós.

O óbito ocorreu numa manhã de Setembro, tinha Francisco cinquenta anos, era proprietário e residia em Marvila, Santarém. Filho legítimo de José Joaquim da Silva Anachoreta e de Dona Maria Sabina da Silva Anachoreta, também naturais do mesmo local. Era casado com Dona Leonor da Encarnação Monteiro.

Nota-se, ainda, que não terá deixado descendência e que foi sepultado, como já referimos, no Cemitério público da Paróquia da Pederneira, "na fileira das campas".

O caso de José Joaquim dos Santos Anachoreta, é um entre muitos. Talvez por isso, se torne necessário partilhar os registos de outras origens geográficas, dando oportunidade a outros que descubram, quem sabe, algum antepassado seu.

Da nossa parte, como temos feito, continuaremos a contribuir.

ADLRA-Livro de Óbitos, 1895, Freguesia da Pederneira, f. 19v.