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Pedra do Porto

História e Património do Concelho da Nazaré

Pedra do Porto

História e Património do Concelho da Nazaré

Uma contenda entre a Casa da Misericórdia da Pederneira e os Pescadores da Pederneira e Nazareth (1834)

Carlos Fidalgo, 30.08.22

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No dia 12 de Julho de 1834[1] foi publicado na “Chronica Constitucional da Cidade do Porto”, um parecer sobre uma contenda entre a Casa da Misericórdia da Pederneira e os pescadores da Pederneira e Nazareth.

Este acontecimento teve lugar no tempo de D. Maria II, sendo regente D. Pedro I, Imperador do Brasil, após ter abdicado e assumindo o título de Duque de Bragança.

Como nos tem ensinado a historiografia sobre a antiga Pederneira, aos pescadores cabiam pesados impostos e este conteúdo não escapa a essa “tradição” ancestral, ainda que o objecto deste parecer pareça querer elucidar às mais altas figuras da Província da Estremadura que nem sempre o Governo tem tempo para resolver questões de cariz regional, como parece ser o caso.

Diz, em suma, o parecer:

 

Foi presente ao Duque de Bragança, Regente em Nome da Rainha, a conta do Conselheiro Prefeito da Extremadura datada de hontem, incluindo a copia d’outra que lhe dirigio o Sub-Prefeito da Comarca de Leiria, ácerca da recusa que fazem os Pescadores da Pederneira, e Nazareth, do pagamento de certos direitos de suas pescarias a que erão obrigados por antigos contractos celebrados entre eles, e a Casa da Misericórdia, inteiramente independentes dos tribunais de que forão dispensados: resultando desta recusa, o grave inconveniente de não poder subsistir o Hospital, a cuja sustentação erão destinados aquelles direitos.

S.M.I. Manda dizer ao referido Conselheiro, que não he ao Governo que toca fazer cumprir os contractos, porque tal negocio he puramente judicial, devendo por tanto a Misericórdia usar dos meios competentes, se entende que os direitos em questão devem continuar a ser pagos pelos Pescadores, por não estarem compreendidos na lei que os isemptou dos tributos com que estavão onerados, o que o ditp Sub Prefeito lhe poderia já ter respondido sem tomar tempo ao Governo, que trabalha incessantemente em consolidar a ordem publica, depois de tão duradouros desastres, e firmar a independencia dos poderes políticos da Carta; no que espera ser ajudado e não impecido pelas Authoridades subalternas. O que em consequencia se participa ao Conselheiro Prefeito desta Provincia para sua intelligencia, e para o fazer constar ao Sub-Prefeiro da Comarca de Leiria para seu governo. Palacio de Queluz, em 4 de Julho de 1834. =  bento Pereira do Carmo[2]

 

[1] Menos de um mês após a Convenção de Évora Monte (26 de Maio de 1834) que colocou um fim ao conflito entre Miguelistas e Liberais.

[2] Chronica Constitucional da Cidade do Porto, N. 143, 12 de Julho, 1834, p. 515.

Um curioso artigo sobre o Rancho Tá-Mar

Carlos Fidalgo, 28.08.22

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O Rancho TÁ-MAR[1]

Depois da sua exibição em Montijo, cresceu-nos o interesse de visitar a Princesa Praia da Nazaré.

Não fugimos à tentação de então mais de perto, podemos apreciar esse colorido, esse fulgor cantante do Rancho «Tá-Mar».

São 37 elementos aproximadamente, de rapazes e raparigas com seus trajos típicos de pescadores e peixeiras, cheios de vida.

É um rancho típico e regionalista, tirando o seu reportório de músicas antigas desta praia. Formado por volta de 1936, tem no seu grupo não só pescadores como operários, visto ser difícil a formação somente daqueles, devido ao seu trabalho do mar. Cartaz colorido da Praia da Nazaré, ele tem erguido bem longe o seu nome nas suas actuações em digressão por Portugal e Estrangeiro. Desde Madrid por duas vezes, onde num concurso internacional de danças típicas obteve o 1º prémio, a França e Biarritz, o Rancho «Tá-Mar» tem sido apreciado com as mais lisonjeiras referências. Bastantes convites lhe têm sido dirigidos como do Brasil e Londres, o que bem marca sua repercussão no estrangeiro.

Subsidiado pela Comissão de Turismo da Nazaré bem como pelo SNI e a F.N.A.T. que contribuem para as despesas ao estrangeiro, o Rancho «Tá-Mar», luta com certas dificuldades. No entanto o carinho que lhe tem sido dispensado, tanto pela parte directiva como por parte do público, ele continua de pé nas suas actuações, semeando o delírio por entre a assistência como há tempos numa representação regional, exibindo-se para o Congresso Internacional de Viagens cujos membros ficaram encantados.

Muito embora, com o tempo, duma maneira geral todas as nossas regiões tendam em perder o seu folclore, o Rancho «Tá-Mar» da Nazaré, é ainda um facho aceso, que incendiará a onda adormecida de quanta beleza temos. É vê-los, descalços de cerolas e camisas axadresadas, faixa e barrete e elas, oito, nove, onze saias, blusa fina e avental e chapéu redondo com um pom-pom, posto a preceito sobre o lenço. Em rodas, viras, corridinhos, imprimem toda a donaidade da sua terra, batendo o pé, rodando as saias, que de tantas, se desfolham como um livro que deixa ler a história mais bela das praias de Portugal.

Os seus cantares, a sua coreografia, tem qualquer coisa de estranho que na sua dolência ou vivacidade, nos deixa espreitar o que de verdadeiro é a vida do pescador, cantares simples, «Camisa riscadinha», «Vira da Nazaré», «Corridinho remexido», «Não vás ao mar Tonho», em que ela suplicante pede que não se meta ao mar traiçoeiro que está bravo; uma história simples de pescadores de alma sã, que não resistimos à tentação de trazes às nossas colunas:

*

Não vás ao mar,

Tonho

Podes morrer

Tonho

Fico sem ti

Tonho

 

Ai Tonho, Tonho

Tão mal estimado és

Ai Tonho, Tonho

Nem umas meias tens p’rós pés

 

Adeus Maria

Que eu vou p’ró mar

Buscar sardinha

P’ra seres Rainha

 

Ela é fresquinha

É como a prata

Não tenhas medo

Que o mar não mata.

*

Colóquio de amor, que com a graça do bailado, como todas as outras, nos prende, cativa e nos diz que ao menos na Praia da Nazaré, ainda há o típico, ainda se canta à moda portuguesa.

A [x][2] e o [y], dois componentes do Rancho

…falaram ao nosso jornal. A [x], é uma moça de 17 anos e está no Rancho há 2 meses. Sempre gaiata, risonha nos seus olhos vivos, mão à cinta, um pouco ofegante após o ensaio, temo-la aqui junto a nós na sua fala cantante:

- Ouve lá; com que Rancho a que terras já foste?

- Muitas.

- Cartaxo, Vila Moreira, e…Montijo.

- Ao falar em Montijo riu-se, olhou para as companheiras e acabou a dizer.

- Gostei muito de Montijo é uma linda terra.

- Então escuta-me, de que gostaste mais nesta vila, [x]?

- Como nos receberam, da Feira e das luzes…

- Quer dizer gostavas de voltar ao Montijo, não é assim?

- Ai, pois, e «hei-de», lá voltar se Deus quiser!

- Que queres tu dizer para o Montijo, no nosso jornal?

Aqui a [x], quedou-se pensativa, acabando por interrogar sobre o que havia de dizer às outras que a rodeavam, ao que uma, em largos gestos disse: Ai [x]! que tens saudades, que «amandas» cumprimentos! Ai, tanta coisa…

A [x], concordou que sim, que era isso que desejava, e lá foi saracoteando, baralhando as saias, sempre gaiata, sempre risonha na sua tez esmerecida [sic] pelo ar do mar, para dar a vez ao seu colega dos bailados, [y].

Este rapaz que poucas características já tem de Nazareno, fala desempoeirado, tem 18 anos e está no Rancho há 18 meses, bastante viajado nas exibições, Lisboa, Cartaxo, Vila Franca, Caldas da Rainha, Vila Moreira e Montijo.

Mas, bom leitor, isto, não há como pô-lo a falar.

- Não foi você, que em Montijo, torceu o pé ao sair do estrado?

- Fui sim senhor. Até quero agradecer ao Sr. Doutor e à enfermeira que me tratou.

- Bem, nós por ti, agradecemos, está bem? Ouve cá, de que gostaste mais em Montijo?

- O acolhimento que tivemos. Nunca me exibi com tanto publico. A não ser no Coliseu em Lisboa.

- Olha que talvez nem aí, basta dizer que a vossa exibição nas festas de Montijo, foram ao ar livre e de livre entrada num grande largo. Mesmo com o que te sucedeu, gostavas de voltar à nossa terra?

- Gostava, e penso que para o ano lá iremos outra vez.

- Pois sim, e porque não?

Assim também faço votos.

E estes momentos aprazíveis passados junto do mais completo e destacado Rancho português no género, tinham chegado ao fim.

Na verdade, não errámos na nossa suposição, mais de perto, ficaríamos com uma ideia formada sobre o Rancho «Tá-Mar», e na verdade ficámos.

 

[1] “O Rancho Tá-Mar”, in Semanário A Província, [s.n.a.] Ano I – N.º22, pp. 7 e 11.

[2] Omitimos o nome dos dois entrevistados, ambos componentes do Rancho Tá-Mar à época, por questões de privacidade dos próprios e/ou descendentes.

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